Crítica a "A conspiração dos Espelhos":

O espelho de Sofia versus de Alice

«Num dia de sol mágico, os espelhos resolveram não reflectir as caras, mas apenas o que os olhos traziam da rua».

Estas palavras escritas, do poeta José Gomes Ferreira abriram, a Sofia Vilarigues, a oportunidade de olhar, por dentro, o mundo extraordinária das nossas mentes. De facto o seu livro "A Conspiração dos Espelhos", com o qual venceu, ex aequo com Baptista Fernandes o Prémio Literário Horácio Bento de Gouveia de 2003, levou o júri a lavrar em acta a sua opinião dizendo, nomeadamente que a atribuição do prémio tomou em linha de conta «o seu "realismo mágico", a sua contextualização entre o "irrealismo" de vivências extra-sensoriais e a sua interpretação à luz dos tempos modernos, a possibilidade imanente de a trama se conjugar entre uma situação fantástica, próxima da ficção científica ou, pelo menos esotérica, e uma conjuntura "explicável", tudo imaginado com uma leveza quase poética, estética e literariamente segura, revestida de uma ambiência jornalística pouco usual no género cultivado — o Conto — e revelou especialmente o seu fôlego criativo e a sua concepção imagética».
Trata-se, de facto de um livro, melhor, de um conto bem na linha dos contistas portugueses, que nos leva a mergulhar no nosso próprio mundo de vivências. Diríamos que um pouco ao contrário do espelho mágico de Alice no País das Maravilhas", o espelho de Sofia, em lugar de transportar os personagens para o mundo interior do espelho, um mundo onde tudo pode acontecer, inexplicável, imprevisível, faz-nos mergulhar em nós mesmos, nas nossas recordações ou no estranho mundo que transportamos nas nossas mentes. Ao olharmos o espelho, como aconteceu com Maria, a jornalista do conto que, no café onde esperava, para uma entrevista, o fotógrafo João, foi "apanhada" pela imagem do enorme espelho que dava o nome ao café: "Café Espelho".
Era um espelho estranho, não reflectia coisa alguma, pensou. Ou melhor, estava a aparecer uma imagem que antes, era capaz de jurá-lo, lá não estava. Uma imagem cinzenta. Uma casa. Quase vazia, de mobília, de decoração, de alma(…)
Que estranho espelho, em todo o caso, suspirou por dentro.
Estranho porque inexplicáveis as imagens que reflectia, ou melhor, talvez, as imagens que criava, tiradas de dentro dos que pretendiam ver-se nele. Era como se o espelho nos visse e nos mostrasse por dentro. Como se, ao contrário do espelho de Alice, fosse ele a mergulhar em nós, reflectindo-nos, reflectindo o desconhecido interior de Maria, de João, o fotógrafo, da Dona Manuela ou de Paulo…
Será que os espelho se juntam, por vezes, para conspirar contra os humanos que os olham? Que os espelhos conseguem ver por dentro de quem procura apenas ver-se neles? Será que a "Conspiração dos Espelhos", de Sofia Vilarigues lhe dá as respostas ou… é você mesmo o dono delas?

Octaviano Correia
Jornal da Madeira
2 de Setembro de 2004